Fortaleza Narrativas Gráficas


Os quadrinhos como forma de narrar as memórias e experiências das cidades.

Síntese: Projeto artístico e interdisciplinar, do pesquisador em literatura e roteirista Charles Ribeiro Pinheiro, que entrecruza História, Literatura e Quadrinhos para produzir romances gráficos que contam histórias de Fortaleza, ressaltando personagens e representações do cenário urbano da capital cearense, do fim do século XIX e XX. A partir da lição aprendida com Will Eisner, em Quadrinhos e a arte Sequencial (2010) e Narrativas Gráficas (2013), a linguagem dinâmica e acessível dos quadrinhos é uma excelente forma de enriquecer a memória do patrimônio histórico e cultural de Fortaleza.

Síntese Curta: Fortaleza: narrativas gráficas é um projeto artístico e editorial que promove a intersecção entre a História, a Literatura e os Quadrinhos com a meta de valorizar a memória literária e cultural da cidade de Fortaleza por meio dos quadrinhos.

Objetivo geral: pesquisar, escrever e produzir histórias em quadrinhos sobre a memória histórica, patrimonial, artística e literária de Fortaleza, capital do Ceará.

Subprojeto atual: A Padaria Espiritual em quadrinhos (2019-2022).


AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E AS ARTES VISUAIS.

História em quadrinhos é uma linguagem artística híbrida, resultado da junção de texto e imagens. O quadrinista Will Eisner (1917-2005), em Narrativas Gráficas (2013), enfatiza que os quadrinhos são um meio visual composto por imagens. Então, quadrinhos são consideradas artes visuais?

As artes visuais são formas/expressões artísticas em que as obras são construídas para serem percebidas e apreciadas pelo sentido da visão. Tradicionalmente, ilustração, pintura, escultura, arquitetura são reconhecidas nesse grupo, mas também a cerâmica, o artesanato, a xilogravura, a fotografia, a produção audiovisual moderna (cinema e animação), o design de moda, o design gráfico, os jogos em 3D e, sobretudo, a história em quadrinhos.

Os Quadrinhos contam uma história, sequencialmente, por meio da justaposição de imagens e palavras, conforme W. Eisner e MS. McCloud. A narração de histórias por meio de imagens existe desde o início da humanidade. Como antecedentes culturais e históricos dos quadrinhos temos as pinturas rupestres do complexo de cavernas em Lascaux, na França (por volta de 17.000 a. C); o sistema de escrita hieroglífica do Antigo Egito (por volta de 3.000 a. C), as cerâmicas da Grécia antiga, repletas de narrativas mitológicas; a coluna do imperador Trajano, em Roma (113 d. C); a Bíblia Pauperum, bíblia ilustrada impressa na Idade Média e as tapeçarias de Bayeux, imenso tapete bordado que narra a conquista da Inglaterra pelos normandos (século XI).

Os quadrinhos encontraram o seu suporte na tecnologia de reprodução, ou seja, se desenvolveram ao mesmo tempo que a imprensa de grande circulação, a partir do início do século XIX, na Europa e nas Américas. No final do século XIX, nos E.U.A., constituiu-se como um amplo produto de massa, pois as técnicas de impressão evoluíram, permitindo boa qualidade na reprodução das ilustrações.

Entre a metade do século XIX e início do XX, os jornais eram extremamente populares e as tiras, charges e ilustrações satíricas estampavam suas páginas para acirrar a concorrência e angariar o interesse do público. O artista gráfico suíço Rodolphe Töpffer (1799-1846) foi um dos precursores dos quadrinhos modernos ao interligar ilustrações satíricas e legendas com a publicação do livro Histoire de Mr. Jabot, publicado em 1833; assim como o ilustrador ítalo-brasileiro Angelo Agostini (1843-1910), grande caricaturista que atuou em diversos jornais e revistas como A vida Fluminense, A revista Ilustrada, O malho, Dom Quixote, Gazeta de notícias e o Tico Tico.

Nos E.U.A, devido com o objetivo de atrair leitores, os jornais travavam lutas editorais em busca de atrativos e novidades. Em 1895, Joseph Pulitzer, com o intuito de trazer inovações para o suplemento dominical do New York World, contrata o ilustrador Richard Felton Outcault (1863-1928). Outcault, aos domingos, estampava uma "tira", isto é, uma história humorística ilustrada em forma de painel na página do jornal. O personagem marcante criado nesse contexto foi o The Yellow Kid, o famoso menino amarelo. Outcault trouxe uma grande inovação ao desenvolver uma linguagem própria, combinando vários recursos criativos para narrar uma história por meio de uma sucessão de ilustrações fixas, organizadas em quadros nas páginas dos jornais.

Com o grande sucesso dos personagens em quadrinhos, as guerras editoriais para alavancar as vendagens dos jornais contribuíram para a evolução dos quadrinhos como forma de arte. William Randolph Hearst, concorrente de Pulitzer contratou o artista Rudolph Dirks (1877-1968) que lançou a tira Os sobrinhos do Capitão, que saía aos domingos. Desde as primeiras décadas do século XX até hoje, surgiram milhares de artistas e escritores de quadrinhos em todo mundo, que marcaram a arte sequencial, tais como Wilson MacCay, Walt Disney, Will Eisner, Jerry Siegel, Joe Shuster, Harold Foster, Alex Raymond, Al Capp, Lee Falk, Luís Sá, Jack Kirby, Stan Lee, Charles Schulz, Albert Uderso, René Goscinny, Guido Crepax, Quino, Ziraldo, Henfil, Mauricio de Sousa, entre tantos outros.

A história em quadrinhos, definida por Will Eisner e Scott McCloud como arte sequencial, é conhecida por variados nomes ao redor do mundo: no Brasil há o termo específico gibi, nome derivado de uma antiga revista publicada em 1939; nos E.U.A são os comics; na França e Bélgica bande dessinée (banda desenhada); fumetti na Itália, em alusão aos balões; e mangás no Japão.

Os quadrinhos trabalham com dois dos principais dispositivos de comunicação humana: palavras e imagens. No emprego hábil de palavras e imagens, reside a potencialidade específica desse meio formal. Como linguagem artística, os quadrinhos possuem elementos próprios: a vinheta/quadro, sarjeta, balões, legendas, recordatórios, representações de recursos cinéticos e metáforas visuais. Os quadrinhos, devido ao seu potencial expressivo, garantem a participação ativa do leitor e são excelentes meios de divulgar a literatura e a arte cearense.


O QUE SÃO ROMANCES GRÁFICOS? (GRAPHICS NOVELS)

Como é usado com mais frequência hoje em dia, o termo graphic novel refere-se a uma obra em quadrinhos original publicada no formato de livro. Richard Kyle (fã e empresário do ramo das HQs) usou esse termo pela primeira vez em 1964. Porém, Will Eisner, em diversas entrevistas e no prefácio de Um contrato com Deus (1978) afirma que se inspirou no trabalho do artista americano Lynd Ward, com a publicação do livro Gods' Man, em 1929, composto por 139 xilogravuras. Para o pesquisador Antônio Luís Cagnin, As aventuras de Nhõ Quim, do ítalo brasileiro Ângelo Agostini, publicada em forma de folhetim ilustrado, em 1869, é o primeiro romance gráfico que se tem notícia.

O quadrinista Will Eisner foi o primeiro artista a veicular as palavras 'romance' (novel) a 'gráfico' (graphic) a um projeto estético mais ambicioso, principalmente com a publicação de Um contrato com Deus e outras histórias de cortiço, em 1978. Foi uma maneira de distinguir suas obras dos gibis infanto-juvenis ou das revistas super-heróis. Como mesmo dissera, seus livros ilustrados estavam mais próximos dos romances do escritor inglês Charles Dickens do que as aventuras escritas por Stan Lee. Era uma maneira de escrever e ilustrar narrativas mais sofisticadas (artísticas) e, na maioria dos casos, voltadas para o público adulto. Com o sentido que Eisner propôs, e até hoje, romance gráfico se refere a uma publicação quadrinizada, em formato de livro, de uma narrativa original e completa, ou coleções de quadrinhos antes seriadas. O gênero teve um boom nos anos de 1980 com a publicações de Maus, de Art Spiegelman (serializado de 1980 a 1991), Watchmen (1986), por Alan Moore e Dave Gibbons (publicado como série de doze edições pela DC comics), O Retorno do Cavaleiro das Trevas (1986), de Frank Miller.


ROMANCE GRÁFICO E AS CIDADES

O que os quadrinhos nos dizem sobre as cidades? A gênese dos quadrinhos está no processo de modernização das cidades, sobretudo, no desenvolvimento da imprensa moderna. Inicialmente, surgidos no interior de variados jornais ao redor do mundo e nutridos pela vida urbana, os quadrinhos contaram e contam histórias das cidades e de seus moradores. Houve a criação de cidades ficcionais famosas, como Gotham City, surgidas nos gibis do Batman, uma alegorização de Chicago, e Metrópoles, protegida pelo Superman, a gênese dos super-heróis modernos, ambos personagens da D.C Comics. Mas, as cidades reais também foram representadas, a exemplo de Nova Iorque, uma das mais retratadas dos quadrinhos, tanto nas histórias de Will Eisneir, de Art Spiegelman, quanto nas aventuras nos super-heróis da Marvel Comics, em revistas do Demolidor, Homem-Aranha, Justiceiro, Quarteto Fantástico etc. As cidades, como lugares que fermentam ação e oportunidades, são obviamente uma grande fonte de narrativas para os quadrinhos.

Artisticamente falando, das variadas linguagens que existem, como encaramos as cidades? A página de quadrinhos é muito adequada para retratar cidades construídas, mas não pode ser apenas uma tentativa de reprodução fotográfica. Criar uma atmosfera visual de um lugar envolve mais do que apenas escolher o ângulo da câmera e pressionar o botão do obturador. A imagem produzida não pode ser encarada como a totalidade do espaço, apenas o lugar visto de um ponto de vista. Ilustrar uma cidade como cenário ou como peça chave de um romance gráfico, além de não ser uma reprodução fotográfica, constitui-se como representação de impressões internalizadas dos lugares em que vivemos, construídas a partir de uma variedade de sensações e lembranças.

Em 1978, a relação entre os quadrinhos e as cidades tiveram um novo paradigma com a publicação do romance gráfico Um contrato com Deus, de Will Eisner, sendo essa obra responsável pela popularização do termo. Ela narra criativamente, por meio de um jogo de palavras e ilustrações complexas, detalhadas, impressionantes, as representações de uma vida na cidade e a condição humana. O autor afirma que "a importância de saber lidar com os altos e baixos da existência nas cidades e a eterna necessidade de escapar parecem não mudar nunca para seus habitantes". Depois, vieram outras obras como Um sinal do espaço (1983), O sonhador (1986), A força da vida (1988), O edifício (1987), Pessoas invisíveis (1993), Avenida Dropsie (1995), Pequenos milagres (2000), Nova Iorque: a grande cidade (2000). Para Eisner, Nova Iorque é uma cidade que serve de fonte de inspiração, lugar onde seus personagens e a trama de suas histórias evoluem.

O quadrinista é um contator de histórias e um iconógrafo da paisagem urbana, tanto de cidade reais, quanto ficcionais. Os quadrinhos representam as cidades em que vivemos e o efeito que essas cidades têm sobre nós, assim como as que construímos dentro de nós. 


FORTALEZA: ENTRE LITERATURA E QUADRINHOS

As múltiplas experiências do homem nos espaços urbanos, a partir da Revolução industrial, gradativamente, suscitaram inúmeras representações artísticas e literárias. A cidade serviu não apenas de cenário, mas como personagem relevante em várias obras de artes, peças teatrais, livros de ficção e de poesia. O escritor Italo Calvino, na obra As cidades invisíveis, tece uma magnífica cartografia poética, na qual a cidade simplesmente não "conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos para-raios, nos mastros das bandeiras", ou seja, "as cidades são um conjunto de muitas coisas: memórias, desejos, signos de uma linguagem; as cidades são lugares de troca, mas essas trocas não são apenas trocas de mercadorias, são trocas de palavras, desejos, memórias" (1990, p. 14-15).

Ao aprender a lição de Italo Calvino, o nosso olhar volta-se para os textos literários que não tratam unicamente dos aspectos materiais da paisagem urbana, mas da cidade no papel, vista como um objeto linguístico e artístico de construção coletiva, ou seja, histórica e social, sobretudo, afetiva e simbólica. A cidade é repleta de memórias, experiências e narrativas e, além das obras historiográficas, os textos ficcionais e poéticos, assim como as crônicas jornalísticas, servem de inspiração para a produção de histórias em quadrinhos que tratem da vida urbana cotidiana.

A cidade escolhida para o projeto é Fortaleza, capital do Ceará. De uma pequena vila que cresceu ao lado do riacho Pajeú e do Forte de Nossa Senhora da Assunção (1812), ela se tornou uma das maiores metrópoles do Brasil. Progrediu efetivamente em virtude da exportação de algodão para a Inglaterra, durante as décadas de 1860-1870. Desenvolvendo-se materialmente, convertendo a Praça do Ferreira como centro econômico, político e cultural da capital. No século XX, das drásticas reformulações e expansões urbanas não afastaram os graves contrastes sociais que existiam e ainda existem. Podendo ser compreendida como uma 'metamorfose ambulante', Fortaleza é uma cidade em construção e destruição. Portanto, um espaço de tensões que, paradoxalmente, se configura como Terra da Luz e da barbárie, palco ideal para cantos de amor e de ódio, de louvores e de denúncias.

O objetivo deste projeto é produzir pesquisas e construir obras em quadrinhos que privilegiem representações visuais de Fortaleza, tanto os seus antigos cenários, que gravitavam em torno do Centro da cidade, quanto espaços e personagens contemporâneos, de outros espaços da cidade. Fortaleza será cenário, tema, personagem, alegoria, antagonista, o evento desencadeador da recriação artística. A grande fonte de trabalho é a História e a tradição literária da cidade. Não estamos em busca de uma cidade idealizada ou perdida no tempo, mas pretendemos revisitar a memórias e experiências cotidianas que moldaram a vida das pessoas, inclusive suas contradições.

Da Fortaleza escrita em verso e prosa, trabalharemos com uma ampla gama de imagens e temas para desenvolver nossas histórias em quadrinhos. Ela já foi cantada como musa para variados poetas; como "madrasta" para o contista Pedro Salgueiro (2006); dona de "ruas tão alinhadas como os versos de um soneto!", para Arthur Eduardo Benevides, referenciando o boêmio Paula Ney; e das velas do Mucuripe de Fagner e Belchior. Ela também foi descrita como "Fortaleza descalça", para Otacílio de Azevedo; como terra das 'areias', bairros periféricos das peças de Eduardo Campos. Como espaços de contrastes, descrita como palco do cotidiano urbano por Oliveira Paiva e Adolfo Caminha e como cidade das secas, por Rodolfo Teófilo e Rachel de Queiroz; como retrato da hipocrisia e dos vícios; da denúncia social em Aldeota, de Jader de Carvalho, do Ceará moleque da Padaria Espiritual, Quintino Cunha, Ramos Cotoco. E, sobretudo, cidade nostálgica dos logradouros históricos antigos, retratados por cronistas e poetas, como o prédio da Fênix Caixeiral, do Castelo do Plácido, dos cafés, do coreto, da coluna da hora e do abrigo central que povoaram, em épocas diferentes, a Praça do Ferreira.

A cidade é mais do que uma aglomeração urbana circunscrita num espaço geográfico, ela é feita por pessoas, tecida a partir de memórias e experiências. Espaço complexo do entrecruzamento do passado, presente e futuro. Portanto, produzir histórias em quadrinhos sobre Fortaleza é construir possiblidades de uma cidade imaginária, reinventada. As ligações entre a cidade e os quadrinhos são poderosos decifradores da nossa forma de nos representar no espaço urbano, para conhecer seus moradores, suas histórias, suas lutas.

Obra futuras do projeto 'Fortaleza Narrativas Gráficas':

  • A normalista;
  • Os jangadeiros da Abolição;
  • A Queda de Nogueira Acioly;
  • Anedotas do Ceará Moleque;
  • A vida de Quintino Cunha;
  • A vida de Farias Brito;
  • As árvores de Fortaleza;
  • A vaia do sol;
  • Segunda Guerra no Ceará;
  • Os campos de concentração em Fortaleza.

Charles Ribeiro Pinheiro - Pesquisador e roteirista.

Professor de Literatura, com graduação em Letras pela Universidade Federal do Ceará (2008). Mestre (2011) e Doutor em Literatura Comparada (2019), também pela UFC, com pesquisas sobre a obra ficcional e polêmica do escritor naturalista Rodolfo Teófilo. Coordenador do projeto de extensão "O entre-lugar na Literatura cearense" (2015 e 2019). É roteirista e autor de livros didáticos de Literatura. Professor conteudista do Curso de literatura cearense, da Fundação Demócrito Rocha, em 2020. Vencedor do XIII Edital Mecenas (2021) da Secretaria de Cultura do Ceará com o projeto 'Padaria Espiritual em quadrinhos'; vencedor do Prêmio da Lei Aldir Blanc - Inciso III-Fortaleza (2020); do Edital Arte Urgente: janelas formativas (2021), da Lei Aldir Blanc-Ceará, e da Convocatória do Edital Arte em Rede (2021), SECULT/CE.

Contato: https://caminhosdapesquisaliteraria.webnode.com/sobre-mim-e-contado/

Instagram: https://www.instagram.com/charles.ribeiro.pinheiro/

zefiro_cr@hotmail.com
Desenvolvido por Webnode
Crie seu site grátis! Este site foi criado com Webnode. Crie um grátis para você também! Comece agora